Iniciada em 2009 com “Anticristo”, a conhecida trilogia da depressão é composta por outras três obras, como “Melancolia” e as duas partes e “Ninfomaníaca”. Todas elas são dirigidas por Lars von Trier, polêmico diretor dinamarquês e um dos fundadores do Dogma 95.
No caso do movimento, o Dogma 95, é bom deixar claro que o cineasta, que possui dez “votos de castidade”, os quais não são colocadas em conjunto numa única obra. Em um caso mais gritante desses votos está “Dogville”, mas este filme não é assunto deste texto.
Sobre os longas tratados aqui, percebe-se que a câmera tremida é o principal fator, encontrado com mais ênfase em “Melancolia”, ou até mesmo a ausência do nome do diretor nos créditos finais no mesmo trabalho.
Fugindo do movimento, há muito o que falar entre semelhanças e diferenças sobre os citados da trilogia. Existem, outrossim, discrepâncias técnicas e poéticas em cada um deles.
“Anticristo” é o mais simbólico, enquanto “Melancolia” é mais regular em questões de organização, elenco, direção; não há tanta invenção para que o tema seja visto como ultrapassado, mas uma linha gradativa favorável ao aumento de tensão, simples e tocante. Já as duas partes de “Ninfomaníaca”são inferiores em relação ao nível de qualidade dos outros citados, principalmente em relação ao primeiro.
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É nítido que as escolhas metafóricas no filme são desengonçadas, exageradas e pouco contribuidoras à narrativa. Precisa-se reconhecer, porém, o bom trabalho de Charlotte Gainsburg, mas não pode ser comparado aos seus outros momentos no próprio “Anticristo” ou “Melancolia”, quando está mais sólida em sua representação e não precisa se entregar à banalidade sexual como visto no seu último papel.
O mais interessante de tudo é que todos possuem conteúdos voltados a desequilíbrios entre as protagonistas, não é por menos que são taxadas na trilogia da depressão. “Anticristo” e “Melancolia” trazem personagens com problemas psicológicos originados de eventos traumáticos, sobre a perda de um filho e o fim do mundo respectivamente. “Ninfomaníaca” possui uma protagonista carimbada por um caso psicopatológico, causando inúmeras complicações ao longo da trama inicial e sua sequência.
O incômodo também é taxado na maior parte da duração desses filmes, sendo um aspecto garantido nos filmes de Lars von Trier. Em “Melancolia” e “Ninfomaníaca”, esses elementos são colocados de maneira explícita na construção e no conteúdo. Na construção, são encontrados nos enquadramentos (tortos e distorcidos), atuações (com fortes expressões contundentes) e até mesmo na montagem (articulação rápida de imagens com diferentes tipos de partes frontais masculinas). Sobre este, fica mais claro em “Ninfomaníaca”.
Em “Anticristo”, porém, o incômodo aparece absurdamente e chega a ser de um peso incalculável. A fotografia de tons escuros, enquadramentos tortos, expressões derrotistas dos atores, um prólogo de rasgar o coração e muito mais, carregam um longa-metragem de energias baixas e uma atmosfera pessimista. O longa-metragem chegou a ser vaiado no Festival de Cannes e, por ser tão polêmico, é tão odiado e amado ao redor do mundo. O filme pode ser resumido como uma libertação do mal, ou um aumento desse mal dependendo da visão, através de surtos e distúrbios psicológicos, passando por símbolos significativos sobre solidão, depressão, medo e caos, além de agressões físicas desorientantes.
Em aspectos técnicos, o melhor deles, de maneira regular, dito acima, é “Melancolia”, o qual venceu em Cannes o prêmio de melhor atriz numa representação marcante de Kirsten Dunst no papel depressivo. Não só isso, mas é preciso reconhecer a condução do diretor na gradação ao fim do mundo, agonizante ao espectador. “Anticristo” é, de longe, o mais simbólico e demonstra uma capacidade enorme, mas escorrega em frases ao lado de trechos bregas, como a fala da raposa. Ainda sobre o animal, a ideia do filhote morto e preso ao ventre é genial.
“Anticristo” é mais empolgante em sua proposta extremista, mas não tão bem cuidado como “Melancolia” e sua organização. Já “Ninfomaníaca”, que trata muito da questão do desejo, sobre a perversidade humana, é interessante nesse ponto, ainda mais quando a discussão leva para modos de pensar próprios do espectador, mas o problema é que duas partes fizeram com que as sequências se perdesse, tornando essa divisão longa.
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A trilogia da depressão pode ser considerada um marco no cinema recente por ter sido executada por um dos mais polêmicos e cultuados cineastas da atualidade. De um modo geral, ela pode ser interessante pelos recursos poéticos e até mesmo pela técnica em si. Alguns valem a conferida, outros nem tanto. Lars von Trier, na verdade, é um artista de amor e ódio, de necessidades e “desnecessidades”, por isso a divisão dos cinéfilos em relação a sua carreira.
(Autor: Leonardo Carvalho)
(Fonte: cineplot.com.br)
*Texto publicado com autorização da administração do site