Deve o escritor antes da sua escrita perdoar-se diante da palavra sob o risco de querendo se encontrar, perder-se.
Ou, buscando expressar sua verdade, confessar exatamente seu oposto sem se dar conta. Isto porque a palavra é um espelho e escrever, uma busca. Porque a página em branco é um altar e a literatura, um confessionário. Quem escreve revela o que se é tanto quanto aquilo que somente desejaria contar.
Afinal, refletimos de maneira direta o que somos nas nossas expressões, ainda que demoremos a perceber e tornar o insuspeito em óbvio. O escritor por detrás das suas histórias escreve como maneira de se reconhecer, seja pelo que diz buscando deixar de ser, seja pelo que diz desejando ser ou atenuando-se do que já é, ao negar ou afirmar seus escuros e iluminâncias.
Nas palavras sussurramos – ou gritamos – o que tanto ignoramos e reprimimos. Por vezes falamos de inteireza porque nos sentimos em cacos. Por vezes insistimos na espiritualidade porque nos sentimos uma fraude. Por vezes insistimos na liberdade por nos sentirmos presos.
Por vezes reincidimos no amor por não sabermos o que ele é. Por vezes narramos vitórias e derrotas para elogiarmos a nossa própria vaidade. O escritor tem como nobre ofício polir palavras tornando-as cristalinas para que o leitor se reconheça nas suas fragilidades e venturas particulares ou enxergue a condição na qual estamos todos imersos. Assim, escrevemos por excesso de mundo ou de ausências e vazios que desde distantes passados carregamos.
Assim, escrevemos para reparar o erro e sermos reparados, por nós mesmos e pelo olhar que o outro nos concede para também nos enxergarmos. Deve o escritor antes da sua escrita perdoar-se diante da palavra sob o risco de não saber como doer quando esta descrever inesperadamente sua própria realidade.