Assim, fui me despertencendo dos lugares aos quais nunca pertenci.
Os encontros, mulheres, trabalho, as madrugadas, as conversas, as dores, as casas, os jogos, as lágrimas e os elogios eram-me a soma dos anos tornando-se névoa, que poderia eu atravessá-la a qualquer tempo sem nada levar senão a mera sensação de umidade, a confirmar não apenas sua existência, mas a minha própria.
O meu rito de passagem era como despertar-me de um conjunto de clichês para uma fábula. Eis o efeito do amor: ganhar a vida um índice e capítulos a serem lidos e, por isso, descobertos para os adiantes, depois de um único e confuso prólogo escrito até então pelas muitas versões de mim.
A travessia era ao mesmo tempo a despedida de um passado feito de fragmentadas memórias, para uma lucidez aguda de um cristalino agora a exigir-me urgentemente minha inteira presença para o que me foi reservado.
O tesouro relevou-se outro então, não pelo que guardei comigo até ontem por estratégias ou conveniências, fossem elas do prazer, da dor, da esperança ou das idealizações do meu “eu”, mas a possibilidade real de que, mais ciente e consciente de mim, poderei vir a ser e estar, enraizado cada vez mais naquilo que verdadeiramente sou.