Todos nós carregamos uma quantidade pequena de hormônios do sexo oposto em nosso organismo. Consciente disso, Carl Jung teve a percepção de que todos nós carregamos em nossa psique nossa contraparte sexual, e nelas estão encerradas as qualidades inerentes ao sexo oposto, mas que não são conscientes. Jung percebeu também que conforme os traços psicológicos de cada indivíduo, as tendências do sexo oposto vão sendo reprimidos e se acumulando no inconsciente.

Carl Jung definiu então dois termos para designar essas partes reprimidas do sexo oposto em nossa psique. Ele os denominou de anima e animus. Sendo a anima a contraparte feminina da psique do homem e animus a contraparte masculina na psique da mulher.

Mesmo após ter tido esse insight Jung notou que não era nada fácil conceituá-los. Em O eu e o inconsciente ele apresenta claramente essa dificuldade:

“A anima, sendo feminina, é a figura que compensa a consciência masculina. Na mulher, a figura compensadora é de caráter masculino e pode ser designada pelo nome de animus. Se não é simples expor o que se deve entender por anima, é quase insuperável a dificuldade de tentar descrever a psicologia do animus.”

Apesar da anima e do animus fazerem parte da personalidade eles são dois arquétipos, que possuem suas raízes no inconsciente coletivo.

Em se tratando do animus, pode-se afirmar então que se trata da personificação do inconsciente feminino, representando a imagem coletiva que a mulher tem do homem.

Uma forma de reconhecer a manifestação do animus no comportamento da mulher é por meio de uma convicção secreta e sagrada e por meio de opiniões.

Sobre isso, Carl Jung discorre em sua obra O eu e o inconsciente:

“As opiniões do animus apresentam muitas vezes o caráter de sólidas convicções, difíceis de comover, ou de princípios cuja validez é aparentemente intangível. Se analisarmos, porém, tais opiniões, logo depararemos com pressupostos inconscientes que deveriam ser provados, de início; em outras palavras, as opiniões foram concebidas como se tais pressupostos existissem. Na realidade, essas opiniões são totalmente irrefletidas; existem prontinhas e são mantidas com tal firmeza e convicção pela mulher que as formula, como se esta jamais tivesse tido a menor sombra de dúvida a respeito.”

Outra característica do animus, que difere da anima, é se apresentar como uma pluralidade de pessoas.

Geralmente o animus vai aparecer nos sonhos femininos como um grupo de homens, ou como um tribunal. Isso significa que o animus possui um caráter mais coletivo e impessoal, diferentemente da anima que impele o homem ao que é pessoal e à intimidade. Por isso é comum, em mulheres quando dominadas pelo animus, falarem de forma geral, criando generalizações (principalmente em relação aos homens) descabidas.

Outra forma de manifestação do animus é por meio da escolha amorosa. É o animus que provoca as paixões nas mulheres, por meio da projeção. Ela irá se sentir atraída justamente por aquele homem que corresponda a sua masculinidade inconsciente e que irá acolher essa projeção.

Uma das funções do animus é a de psicopompo.

Psicopompo é uma palavra que tem origem no grego psychopompós, junção de psyché (alma) e pompós (guia) e designa um ente cuja função é guiar ou conduzir a percepção de um ser humano entre dois ou mais eventos significantes.

Portanto, a sua função, da mesma forma que a anima, é a de se tornar uma ponte entre o ego feminino e o Self.

Outra função do animus, semelhante a anima, é a compensatória.

Para exemplificar em Animus e Anima, Emma Jung diz:

“Ele entende aí um complexo funcional que se comporta de forma compensatória em relação à personalidade externa, de certo modo uma personalidade interna que apresenta aquelas propriedades que faltam à personalidade externa, consciente e manifesta. São características femininas no homem e masculinas na mulher que normalmente estão sempre presentes em determinada medida, mas que são incômodas para a adaptação externa ou para o ideal existente, não encontrando espaço algum no ser voltado para o exterior.”

Um dos riscos de qualquer componente psíquico é o da possessão. E isso não é diferente com o animus, que por sua vez pode sobrepujar a consciência da mulher e dominar o seu ego.

Essa problemática gerada pela possessão do animus é pouco explorada na literatura por Carl Jung. Esse conceito foi bem desenvolvido posteriormente, por Emma Jung em sua obra Anima e Animus e também por Marie Louise Von Franz em seus estudos dos contos de fada. Esses estudos vão ser apresentados logo abaixo.

No momento que a mulher passa a ser “possuída” por seu animus ela irá apresentar um “problema de animus”. E quando isso ocorre à mulher ela se torna irritante para aqueles com quem convivem. Pois seu animus apresenta o caráter de um homem inferior o que a torna arrogante e prepotente, mesmo que ela não queira transparecer isso.

Em O mapa da alma, Murray Stein, diz:

“Por mais que ela possa querer ser receptiva e íntima, não consegue sê-lo porque o seu ego está sujeito a essas invasões de energias demolidoras que a transformam em tudo, menos na pessoa amável e gentil que gostaria de ser.”

Portanto, o animus leva a mulher a ter opiniões insensatas e obstinadas, ela fica cheia de lugares comuns. Suas opiniões não exprimem o essencial, só conceitos vazios e destituídos de sentido. É como se estivesse tomada por um juiz arbitrário, e tentar convencê-la de que suas opiniões não possuem fundamento é apenas dar murro em ponta de faca.

Outra característica do animus é que ele costuma levar a mulher a desvalorizar tudo o que provém do inconsciente, ocasionando uma vida consciente muito pobre, obrigando-a, assim, a viver de uma maneira bem abaixo de sua real capacidade.

Na verdade, nessa mulher, a arrogância e a humilhação irão se entrelaçar. Quanto mais humilhada, mais arrogante ela se tornará.

O animus muitas vezes ser representado como um arauto da morte tirando toda a vida produtiva da mulher e afastando-a da existência humana.

Aspecto do animus é muitas vezes é apresentado nos contos e nos mitos como o caçador e o guerreiro, ou seja, aquele que possui a propensão a matar. Ou seja, o animus pode matar a vida interior e produtiva da mulher.

Além disso, a mulher dominada pelo animus possui uma atitude jocosa e critica em relação aos homens, afastando qualquer possibilidade de relacionamento.

A falta de definição em seus propósitos mais importantes de vida também faz parte dessa problemática. A mulher nesse estado, mesmo sendo extremamente detalhista, quando confrontada a respeito de seus objetivos mais profundos simplesmente não consegue defini-los. Um estado de dormência a apodera e a intuição e projeção para o futuro não flui em sua psique. Ela está presa ao seu animus naquilo que não é essencial para a sua vida e seu desenvolvimento.

Von Franz, em O caminho dos sonhos exemplifica:

“O efeito da pressão do animus pode levar a mulher a uma feminilidade mais profunda, fazendo com que ela aceite o fato de que está possuída pelo animus e que empreenda algo a fim de trazer o seu animus para a realidade. Se ela lhe fornece um campo de ação — ou seja, se ela assume algum campo de estudo em especial ou faz algum trabalho masculino — isto pode mantê-lo. Ao mesmo tempo seu sentimento será revivificado e ela se voltará às atividades femininas.”

Não me refiro aqui à feminilidade estereotipada, até porque o feminino não se limita apenas a maternidade e a maternagem, mas a uma grandeza de sentimentos. Devido às oscilações hormonais, o feminino sempre possuiu uma sabedoria e uma compreensão do corpo que o masculino não compreende. A mulher sempre esteve em um contato maior com o irracional e com as emoções do que o homem.

Quando há esse reconhecimento e a mulher o deixa participar do seu mundo dando a possibilidade consciente de expressão na realidade, a possessão acaba e o animus pode tornar-se um companheiro interior precioso que vai contemplá-la com uma série de qualidades masculinas como a iniciativa, a coragem, objetividade e a sabedoria espiritual.

Em A interpretação dos contos de fada, Von Franz aponta uma saída para o confronto com o animus:

“Quando uma pessoa com uma consciência desenvolvida sente que o animus nela contido está pleno de uma atividade muito significativa, é inútil tentar fugir ou mesmo procurar compreender intelectualmente o seu significado. Ao invés disso, a pessoa deveria usar a energia proveniente do animus de uma maneira adequada, empreendendo alguma atividade masculina, tal como o trabalho intelectual criativo; se assim não for, a pessoa é dominada e possuída pelo animus.”

Ela se torna enfim flexível, suas opiniões não são mais absolutas. Ela compreende que não há certezas na vida, ela começa a questionar o que anteriormente ela tomava com verdade absoluta. Suas bases são abaladas.

É nesse momento que se torna apta a aceitar e a bancar a sua subjetividade sendo capaz de receber as manifestações do Self e acolhe-las, pois seu animus agora é capaz de auxiliá-la na compreensão dessas manifestações e do sentido de sua existência.

 

Referências Bibliograficas:

JUNG, C. G. O eu e o Inconsciente, 21 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

______ Psicologia e religião, Petrópolis: Vozes, 1978.

JUNG, E. Animus e Anima, 5 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

STEIN, M. O mapa da alma. 5 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. São Paulo: Paulus, 2005.

VON FRANZ, M. L; BOA, F. O caminho dos sonhos. São Paulo: Cultrix, 1988.

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Hellen Reis Mourão é analista Junguiana e especialista em Mitologia e Contos de Fadas. Atua como psicoterapeuta, professora e palestrante de Psicologia Analítica em SP e RJ. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

1 COMENTÁRIO

  1. Achei muito interessante, embora não sei se entendi direito, vou começar o segundo semestre na faculdade de psicologia, ainda tenho muito que aprender, mesmo assim, fiquei fascinada pelo tema. Vou pesquisar mais sobre o assunto. Amei!

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