O climatério, assim como a adolescência é uma das fases de crise na vida de uma mulher – e a crise é sempre uma ruptura, um colapso na vida das pessoas; geralmente vista como sinônimo de algo errado, imperfeito, injusto, não natural, portanto não aceitável. A crise realmente é um rapto que nos retira do nosso território confortável e seguro de pretensa estabilidade e certeza. Mas a crise traz em si não somente aspectos negativos, ela tem o aspecto duplo de perigo e oportunidade.
O analista junguiano Murray Stein (2004, p.2), diz que na meia-idade a psique explode, irrompe como a lava de um vulcão e esta lava modela e remodela as paisagens de nossas vidas psicológicas. Considera a crise da meia-idade como o período de reconhecimento de nossas mais secretas loucuras, como a crise do espírito, onde se perde o antigo e confortável senso daquilo que achamos que somos e se espera a formação daquilo que poderemos ser.
Assim, podemos dizer que a transição desta crise ou processo envolve uma mudança radical quanto à orientação – deslocando-se da persona para uma orientação orquestrada pelo Self. Esta mudança e todas as transformações que acontecem em sua periferia são aquilo que determina o próprio processo de individuação.
Conforme já citamos, o primeiro passo neste processo é a discriminação dos papéis sociais – aquilo que constitui o que denominamos como persona. Este termo foi proposto por Jung para designar os vários papéis sociais que vivemos em nossas vidas, o mecanismo através do qual nos relacionamos com o mundo de fora. Assim, uma mulher pode ser filha, esposa, mãe, amante, ter uma profissão, etc. Papéis que geralmente são bem estruturados e proporcionam segurança e conforto
Vamos pensar o que acontece quando a mulher entra no período perimenopausa: o climatério ou o período perimenopausa é a grande crise que as mulheres vivem justamente com a chamada crise da meia-idade. Muitas vezes são os sintomas físicos que ao imporem a observação de novos limites, deflagram o processo. Assim, além dos sintomas corporais inéditos, ocorrem situações inéditas na vida como: filhos indo embora de casa, a morte dos pais idosos, doenças na família, etc. Ou seja, muitas situações emocionais a serem vivenciadas e elaboradas.
Desta forma, podemos dizer que este período turbulento é um período de desenvolvimento, tanto quanto foi a infância ou a adolescência, a diferença agora é que a seta do desenvolvimento do individuo aponta mais para o interior do que para o exterior. O corpo não vai crescer, ao contrário, a tendência é se contrair, reduzindo-se e mantendo-se naquilo que lhe é essencial, dando espaço assim ao desenvolvimento da psique – em busca também do que lhe é essencial.
A menopausa feminina ocorre por volta dos 50 anos, geralmente dentro de um desvio padrão de 5 anos para mais ou para menos. A mulher entende que passou pela menopausa depois de 1 ano de sua última menstruação, sendo assim muitas vezes difícil precisar com exatidão quando ela ocorreu. Há períodos em que a regularidade fica totalmente caótica, seguidos de fases onde a regularidade se restabelece, além disso, terapias de reposição hormonal, dietas, cirurgias e tratamentos quimioterápicos podem levar à suspensão da menstruação de forma artificial. Geralmente os desconfortos físicos e psicológicos que acontecem durante esta fase e a reação das pessoas que convivem em seu circuito de relação, fazem com que esta fase seja considerada difícil, cheia de melindres dos quais todos gostariam rapidamente se esquivar ou esquecer (mulher instável, irritável, depressiva).
No entanto, mostra a história de outras culturas, que isto não foi e nem precisa ser vivido e avaliado desta maneira. Existem culturas onde as mulheres pós-menopausa são elevadas à categoria de velhas sábias, um posto honroso e muito respeitado pela comunidade que se favorece utilizando a sabedoria que elas adquiriram ao longo de suas vidas.
Tradições indígenas norte-americanas (Bolen, 2005, p.15) vêem o climatério e a menstruação como uma transição importante que faz parte dos chamados “mistérios do sangue”; que se iniciam na menarca, quando a jovem menstrua pela primeira vez. Quando ela engravida, passa para a segunda fase, onde o sangue é retido para gerar a nova vida e na terceira fase, quando pára de menstruar, o sangue é retido novamente – agora para gerar sabedoria. Nesta tradição, dizia-se que a mulher se tornava completamente madura após os 52anos, quando então adquiria o status de velha sábia ou grande mãe, zelando não só pela sua família, mas por toda a tribo. Vejam aqui que a mulher era preparada para esta etapa da vida e provavelmente ansiava por ela, diferentemente de nossa cultura ocidental onde o sangue retido é dito que sobe à cabeça e endoidece as mulheres.
Após os 50 anos ou após a menopausa a mulher entra na terceira fase da vida, caminhando por um território novo a ser explorado. Dentro de nossa cultura ocidental, preponderantemente patriarcal, orientada para a competitividade e os lucros e que por isso supervaloriza a juventude e o vigor físico, esta terceira fase é vista como declínio, e a mulher mais velha se torna uma entidade sem valor, obsoleta, invisível e descartável, tornando-se então passível de toda projeção sombria. Mas se pudermos olhar este momento através de uma perspectiva arquetípica, como parte do grande processo de individuação, poderíamos dizer que esta terceira fase é exatamente aquela em que se viabiliza a possibilidade da singularidade, daquilo que lhe é essencial ser discriminado e se manifestar, é a fase da integração.
Na postulação de sua teoria psicodinâmica, Jung coloca que todo indivíduo possui uma contraparte sexual inconsciente, ou seja: o homem tem uma parte feminina inconsciente – que chamou de anima (alma) e a mulher tem uma parte masculina inconsciente – o animus (espírito).
Enquanto na primeira metade da vida a consciência lida com o mundo externo através da persona, na segunda metade, a consciência se volta para a relação com o mundo interno e esta relação é intermediada pelo arquétipo Anima/Animus. Estes têm suas bases alicerçadas nas figuras parentais e posteriormente nos contatos com as figuras contrassexuais do circuito de relacionamento do indivíduo.
O contato com a anima traz ao homem a possibilidade de se reconectar ao feminino (e não à mulher), ou seja: entrar em contato com as emoções, desenvolver sua afetividade. Para a mulher, o animus traz o masculino que deve ser desenvolvido agora dentro de si, retirando a projeção deste conteúdo das figuras masculinas – pai, marido, filho, etc.
A forma como a mulher lida com seu animus determina a forma como viverá seu climatério e seu processo de envelhecimento; ela poderá ser uma velha ressentida pelas coisas que perdeu ou não realizou, lamentando-se e projetando sua baixa auto-estima no ambiente que a cerca, ou poderá ser uma mulher vivaz, curiosa com as novidades que vida lhe proporciona todos os dias. Jean Bolen fala de “juice woman” em oposição à mulher “seca ressentida”; acho que esta mulher cheia de “suco” pode ser aquilo que em português nós chamamos de mulher com substância, ou talvez a mulher “sexysagenária”.
Dentro da visão da Psicologia Analítica, podemos dizer que estas são aquelas mulheres que desenvolveram uma relação positiva com o seu animus, ou seja, foram capazes de confrontar os preconceitos, valores e julgamentos do animuscoletivo e perseveraram na busca de sua própria força e expressão no mundo
Na vivencia do climatério identificamos a energia ativada e polarizada em duas imagens arquetípicas: nas figuras da Bruxa e da Rainha.
A imagem arquetípica da rainha é a da mulher madura, assertiva e dona de poder, nas histórias e mitos temos exemplos como a famosa Rainha de Sabá, Inana da Suméria, a celta Maeve, assim como as rainhas da Grã Bretanha – Elisabeth, Vitória, Mary Stuart. Muito embora, é importante dizer que ao se pesquisar imagens sobre rainha/bruxa, são encontradas muitas e variadas formas de bruxas, mas quase nada sobre rainhas majestáticas, ao contrário, as figuras tanto históricas quanto do imaginário eram retratadas como madrastas invejosas, a viúva ou esposa de um rei, ou uma mulher velha, fraca e desagradável; indicando assim que o poder relacionado à imagem da rainha era comumente visto como negativo, ligado à loucura, à inveja e à sedução. É importante que as mulheres possam reverter esta visão, trazendo à luz o pólo positivo da rainha – um modelo de maturidade feminina atuante, forte, firme, que inspire e guie as mulheres em sua travessia pelo climatério, servindo assim como contraponto à imagem da bruxa..
E quem é a bruxa?
É aquela mulher terrível que nos olha de dentro do espelho e nos conta a verdade – que nos encara e nos escancara. Ela olha nossas rugas e não as vê como marcas do tempo e da vida, ela as chama de “pés de galinha”, ou seja, colore de forma negativa todas as transformações que nos atravessaram. Lá de dentro do espelho onde vive enclausurada e cronificada, cheia de inveja e vergonha ela tenta sugar a nossa alma.
A bruxa é aquela mulher velha, de corpo ressequido e duro, cabelos arrepiados e dentes compridos, que mesmo, por vezes, tendo um olho só, é capaz de nos olhar e congelar nossa alma. A bruxa que come criancinhas – aqui pensando em todos os sentidos (mulher papa-anjo) é aquela que precisa se alimentar do frescor da juventude, ou porque exatamente falta nela aquele poder criativo que passa a ser projetado na criança a ser devorada. Ela não precisa da criança – ela precisa do espírito criativo, lúdico, do frescor da criança, mas como em muitas situações, acaba por ser vivido literalmente.
A mulher no climatério tem de fato uma diminuição de seus fluidos corporais, seu volume sanguíneo também diminui e tudo caminha para se manter naquilo que é o essencial. Esta diminuição de fluxo e volume pode levar ao ressecamento da pele, das mucosas, ou na retração de seus músculos, mas não implica em ressecar seus sentimentos, nem suas vontades e sua força.
A bruxa é aquela mulher que vive a secura interna, que não tem substância e por isso se alimenta da força alheia, comendo criancinhas (cheias de líquidos da vida) ou destilando seu amargor pelo ambiente. A secura interna é o ressentimento – aquilo que ela não perdoa da vida ou de alguém, aquilo que sente que lhe foi tirado arbitrariamente; ela não perdoa o que a vida lhe fez e consequentemente não perdoa a si mesma. Uma mulher nestas condições sente os limites que o climatério lhe traz como castigo, punição e injustiça.
Sua relação negativa com o animus faz com que perceba e avalie a sua vida e o mundo em geral sob uma ótica crítica muito severa e dura. A parte positiva de sua relação quer seja aquela de iluminador de caminhos, algo como uma função de “personal training de seu espírito”, encontra-se subdesenvolvida.
Uma vida significativa é resultante não somente do conhecimento adquirido, mas da experiência consciente ou inconsciente com o animus. Na velhice, com baixa de energia e a diminuição do trabalho cerebral, a relação com o animus se torna cada vez mais importante, é ele quem vai determinar o final, dependendo se positiva ou negativamente integrado. Se negativamente, isto pode significar um final infeliz e amargo, fruto da crítica exacerbada e implacável que se volta contra si mesma; se positivamente integrado pode ser o caminho para uma atitude criativa e serena frente à velhice e à morte.
Nos últimos tempos, venho percebendo (e participando) que muitas mulheres comemoram sua chegada aos 50 anos com grandes festas. Até a pouco tempo, (talvez uns 40 anos atrás) isto não era algo comum, pelo contrário, a maioria das mulheres escondia a idade e depois de ter atingido certo limiar era tabu perguntar sua idade. Só quando se aproximava dos 70 anos e ela adquiria o status de anciã, parecia que uma aura de dignidade lhe era devolvida.
Com o aumento da expectativa de vida e também porque atualmente muitas mulheres com 50 anos continuam muito ativas em seus trabalhos, ou é quando começam algum, comemorar esta idade pode ser comparado a um ritual de entrada – como quando aos 15 anos elas tinham o Baile de Debutantes através do qual a família formalmente a apresentava à sociedade. Agora, seu baile tem outra característica – é ela quem organiza e muitas vezes também quem financia, ela não é mais a linda e frágil “princesa da família”, agora é a poderosa e bela – a magnífica “Rainha do Baile”.
Conheço outras mulheres que nos seus 50 anos resolveram fazer uma viagem interior, algumas indo para um retiro voluntário, outras empreendendo pela primeira vez uma longa e solitária viagem para um país desconhecido.
Todas elas buscavam o confronto consigo próprias, passando por rituais, aprendendo novas línguas, novos costumes, reorganizando seus valores internos. Algumas delas além do brilho diferente no olhar voltaram com nomes diferentes; encontraram seu ritmo próprio e aprenderam a preservá-lo, elas de fato não são mais as mesmas, se reinventaram.
Concluindo: as mulheres na meia-idade veem seus corpos se modificando, a fertilidade findar, os filhos deixando a casa, seus parceiros se transformando ou morrendo; são confrontadas com as limitações de sua própria mortalidade e com as oportunidades perdidas de suas vidas; com tudo isso é muito fácil se tornarem amargas, desesperadas, invejosas ou envergonhadas pela nova situação e imobilizadas. Mas são justamente estas perdas que poderão levá-las à introspecção profunda e com isso descobrir e desenvolver seus atributos de Rainha.
Talvez não seja possível viajar ao estrangeiro, mas sempre é possível viajar dentro de si mesma – por isso é importante ter um tempo consagrado a si mesma – para meditar ou orar, para dançar, cozinhar, escrever, jardinar, bordar, ou simplesmente conviver e trocar experiências com outras mulheres (isso é diferente de fofocar!!). Ou um tempo para não fazer nada a não ser contemplar a natureza, se perdendo dentro dela e se achando numa nova configuração.
A crise da meia-idade instiga a mulher a se confrontar consigo própria, a observar suas perdas e elaborar seus lutos, adquirindo assim uma visão renovada e ampliada da vida, abrindo seu coração para a generatividade e a compaixão.
(Autora: Margareth Lury Yoshikawa, Professora do IJEP)
(Fonte: www.ijep.com.br)