Não acredito na chatice isolada.
Quando alguém comenta que a esposa ou a namorada de um amigo é uma mala já farejo cheiro de mentira.
Não é que ela é chata, ela só realiza o trabalho sujo. Ou seja, é desagradável e direta porque faz pela frente o que o amigo pensa pelas costas.
Protagoniza a consciência da dupla. O amigo é tão chato quanto, apenas não tem coragem de expor suas verdadeiras opiniões e repassa a culpa para sua mulher. Ele toma para si a fama de simpático e transfere os problemas para a conta de sua companhia.
Deixa de frequentar lugares e recusa convites sempre com a alegação de que sua mulher não quer ou não pode. A esposa/namorada transforma-se no bode expiatório e na desculpa perfeita para a imobilidade. Na realidade, é ele que não deseja ir e jamais assume a sua dívida. Prefere ver o circo pegar fogo a domar o leão de sua vontade.
O que ele não percebe é que, para se proteger, cria um ódio gratuito. Dentro de casa defende a dependência e fora de casa se põe como vítima de uma prisão. Dá a entender que perdeu a identidade e a liberdade de solteiro. Antes, podia tudo. Agora, do lado dela, não pode nada.
Terminará tragado pela vaidade (no fundo, puro egoísmo) de ser reconhecido como melhor do que sua cara-metade. Situação agravada pela sua mania de dizer sim sem ponderar e se arrepender de imediato.
Não existe vilã, muito menos herói. O maniqueísmo disfarça um consenso familiar. A mulher é que telefona ou oficializa a notícia ou fala abertamente das intenções do casal, não é uma tirana emitindo sentença unilateral. Cumpre a posição de mensageira de algo que se definiu consensualmente.
Mas o preço da farsa é alto. A mulher ficará conhecida como uma megera, quando é ele que não divide a parcela de responsabilidade pela decisão a dois.
Desconfio quando escuto frases do tipo “como pode um cara tão legal estar com uma pessoa tão chata”. Deveria ser reformulada, para o bem da transparência: “como um cara tão legal permite a sua mulher ser vista como chata”.
Amor é também dividir a rejeição.
(Autor: Fabrício Carpinejar tem prosa absolutamente desconcertante e confessional. Poeta, cronista, jornalista e professor, é autor de 26 livros)
(Imagem: Ernst Fuchs | Ernst Fuchs)