Sigmund Freud (1856-1939) aponta que nos trabalhos artísticos há uma sensibilidade que tenta dar contornos para as fantasias do sujeito. As fantasias existem porque nós seres humanos somos inundados por desejos agressivos e sexuais que buscam satisfação imediata (princípio do prazer) ignorando a realidade tal como ela se apresenta. O psicanalista J. D. Násio proporciona uma definição interessante sobre fantasia: “a fantasia é um teatro mental catártico que encena a satisfação do desejo e descarrega a sua tensão”.

O cinema nasceu muito depois do teatro, em uma época marcada pela valorização da noção de indivíduo. As sociedades ocidentais como a nossa são consumidoras ativas da indústria cinematográfica. O Cinema não deixa de ocupar, também, o espaço do lazer, do entretenimento e da diversão. Em comparação com outras artes, o cinema é a que mais requer equipamentos complexos, sendo a dimensão técnica muito mais presente e necessária em comparação com outras produções artísticas.

O cinema pode também ser visto como o lugar de compressão de tempo, espaço, objetos e pessoas, que são reais e irreais ao mesmo tempo. As imagens do filme nutrem as figuras do desejo do espectador, enquanto os sons contribuem para criar uma atmosfera que o convida a embarcar em outra “realidade”. O espetáculo imagético do cinema retira o indivíduo da realidade pela sedução, no instante em que alimenta as suas fantasias, lugar da ficção e do preenchimento do desejo, mitos e sonho dos homens.

O prazer do espectador, no cinema ou no teatro, reside, portanto, em assistir a cena e se envolver com o prazer advindo das pulsões que normalmente precisam ser recalcadas, mas que podem ser satisfeitas, já que se trata de uma ficção. Logo, a fantasia envolta nos filmes explicita uma relação entre as características da imagem cinematográfica e determinadas estruturas do aparelho psíquico.

O cinema, desse modo, torna-se um grande “suporte” ou “válvula de escape” para as aflições, angústias e incertezas demasiadamente humanas. Freud nos mostra como no “Mal Estar da Civilização” que a vida, tal como nos coube, é muito difícil para nós; traz demasiadas dores, decepções, tarefas insolúveis. Para suportá-la, não podemos dispensar paliativos (…) As gratificações substitutivas, tal como a arte as oferece, são ilusões face à realidade, nem por isso menos eficazes psiquicamente, graças ao papel que tem a fantasia na vida mental (1930).”

O espectador aprecia um filme ou uma peça porque suas satisfações pulsionais estiveram contidas em certos limites entre a angústia e a rejeição. Dessa forma, é por meio do simbólico que a ficção do filme se estabelece como tal, construindo uma relação dialética entre as instâncias da realidade e da fantasia. Aí podemos estabelecer também um paralelo com a linguagem onírica, nas palavras de Hanna Segal: “O trabalho psíquico do sonho visa a satisfazer os desejos inaceitáveis e conflitantes disfarçando-os, o que envolve um modo particular de expressão: a linguagem onírica. Esta é construída por mecanismos tais como a condensação e deslocamento, a representação indireta de vários tipos e o simbolismo (1991).”

O cinema, assim, carrega prazer e angústia na sua dimensão estética de arte onírica, que por meio dos mecanismos de condensação e deslocamento de imagens, desvela desejos entre uma cena e outra. Mirian Chnaiderman no livro “Ensaios de psicanálise e semiótica” (1989), percebe a escuta psicanalítica como a transformação do discurso do paciente em imagem, ressaltando o caráter poético do fazer psicanalítico.

Como os sonhos que são articulados com imagens simbólicas, adentrar no mundo do cinema a partir de reflexões sobre o cinema, arte e literatura é também fazer psicanálise: escutar com o olhar, transformando o discurso em imagem.

(Autora: Fernanda Fazzio, psicóloga, psicanalista e escritora)

RECOMENDAMOS




1 COMENTÁRIO

  1. Muito bom, interesso-me pelas artes, embora meu conhecimento seja limitado, mas vejo nelas um suporte indispensável para trabalhar com crianças. Gostaria de ter mais instrumentos nessa área.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui