Por um longo tempo eu quis que chovesse na minha vida. Assim, quem sabe eu pudesse lavar todos os meus pecados e ninguém me veria chorar. Não foi assim. A vida não é assim, é um fluxo muito maior do que podemos conter dentro de uma expectativa, ou de uma simples angústia, de um medo, como sempre fazemos.
A intensidade da vida é bem maior do a leviandade dos nossos sentimento, a futilidade das idéias ou a fragilidade dos planos, que como a noite, por mais longa que seja, não importa o quanto ela dure evanescerá na manhã seguinte, como sempre. E sempre será assim, o que de certo modo é um pouco desesperador.
Se tornou mais claro o fato de que “é preciso saber viver”, já que esperar que a vida se dobre, que molde seu curso pela vontade tua, que suas ilusões (seus sentimentos frágeis, os pensamentos volúveis, a angústia, os medos) é um convite a loucura, ou a solidão, o sabia Alvares de Azevedo:
” (…) Descansem o meu leito solitário/Na floresta dos homens esquecida,/À sombra de uma cruz – e escrevam nela:/Foi Poeta – sonhou – e amou na vida.” De fato assim o é. Nem para todos, mas para uns tantos outros, é sempre preciso ter cuidado para que mais tarde não se sofra e mais tarde nem sempre é tão tarde assim, até porque, nunca dispomos d emais tempo do que aquele que realmente temos. O pior: nunca sabemos e nunca saberemos quanto tempo temos!”
A chuva talvez volte, carregada de mudanças drásticas e em nuvens escuras, pesadas, ou quem sabe, a reflexão profunda ao som dos ‘Titãs’( É preciso Saber Viver), a traga na forma de uma chuva torrencial, forte, decidida, mas rápida e quente, calmante.
Não quero apenas estar à janela enquanto as gotas caem, fortes num ressoar sem fim que ecoas como um lamento, como se eu devesse esquecer algo, e seguir em frente. Quero correr lá fora, brincar com as lufadas de vento que curvam os galhos, esperar que as águas me conduzam por uma vida que eu mesmo não sou capaz de conduzir. Ao menos por esse breve momento.
Sim, porque a chuva que é o meu desejo, e até mesmo a tristeza e as lágrimas, irão passar.Todas essas coisas tem seu tempo e é o tempo delas justamente o que não conhecemos. Por isso o sofrimento, e por não saber, a incerteza de que é possível que um dia passem.
Mas eu te digo, hoje eu sei que sim, mesmo que eu não o sinta dessa maneira. A vida não é feita de ilusões, e sim da materiliadade que podemos dar a nossas ilusões (os pensamentos, os sentimentos, as angústias, os medos, as incertezas, a fragilidade emocional), é assim que nos machucamos, ou então acabamos construindo muros ao nosso redor ( seja como forem, todos acabam por eregí-los de uma maneira diferente – quando seguimos por um caminho de ilusão).
O cuidado está em escolher muito bem as ilusões às quais vamos dar materialidade para que assim a vida seja um pouco mais parecida com aquele anseio que dela tínhamos. A vida é feita de escolhas por isso (como eu sempre digo: Clichês são verdades, a realidade é o típico não o atípico).
Mas, como eu vou retirar todas as pedras do meu caminho, sem que eu conheça o tempo que me resta?
Sempre vou precisar de mais respostas que uma simples incerteza, ou uma possibilidade, acho que nós sempre vamos precisar de respostas com mais “conteúdo” do que um “quem sabe”. É preciso saber viver.
Pensando bem, ao passo que preciso, é extremamente impreciso. As flores continuarão tendo espinhos, continuarão a ferir as mãos desavisadas, mas que são mãos dispostas a sentir a dor, dor que nos mostra que estamos vivos, que somos capazes de dar forma as ilusões ainda que no final de tudos elas nos doam.
Todos nós continuaremos vivendo pelo nosso tempo, que é só nosso e que nenhum de nós conhece além daquilo que já viveu e EU quero continuar a dar materialidade às minhas ilusões, para que um dia, na chuva, e ainda em tempo eu possa saber que eu por um breve instante soube viver, cuidei enquanto foi tempo e não sofri, e se a rosa me feriu, foi só para que eu tivesse certeza de Eu estou vivo, e que a vida é cheias de ilusões, mas não é feita de ilusões.
Ainda assim, eu a quero. Da lira dos vinte Anos de que eu tanto gosto e de que eu nunca me esqueço: (…) Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz, e escrevam nela: Foi poeta – sonhou – e amou na vida. Sombras do vale, noites da montanha Que minha alma cantou e amava tanto, Protegei o meu corpo abandonado, E no silêncio derramai-lhe canto! Mas quando preludia ave d’aurora E quando à meia-noite o céu repousa, Arvoredos do bosque, abri os ramos. Deixai a lua pratear-me a lousa! Álvares de Azevedo.
(Autor: Alan J Felix)
(Fonte: http://www.revistadacultura.com.br)