Não faço mais agenda para o Ano Novo, assim como não deixo mais nada para o próximo mês ou fim de semana. Não cumpro, o regime vai sendo adiado e as caridades prometidas nunca acontecem.
Não sou mais confiável. Desconfio que nunca fui. Era dirigido pela necessidade de ordem e disciplina, que me livravam da criatividade e impediam a improvisação. E para isso nada melhor que a obsessão pela repetição dos padrões ou brincar de seguir a guia escrita. Há uma prisão no excesso de ordem. Porque perdemos a curiosidade e a espontaneidade das crianças que olham tudo com vontade de saber, ver, tocar. Elas vão crescendo com a eterna pergunta: O que é isso? Como não sabemos mais responder, vamos lhes incutindo medo, porque não suportamos tanta curiosidade e a criatividade espontânea. Em nome da disciplina. Da nossa disciplina.
A ordem atenua nossa culpa se não der certo. Se arriscar é para crianças mesmo. Saltar no vazio não se sabe onde bate. Andar de olho fechado, sem a certeza do amparo. O problema é que é no espaço, nos vazios, nas entrelinhas, nas faltas e nos insterstícios que os sonhos acontecem, se aninham e se realizam. Onde está ocupado, não tem mais lugar.
Para nós, agenda, hora, minuto e fazer mais do mesmo, se for sempre melhor ainda.
Cada dia agora é um ano novo. Posso inverter a agenda. Começar um regime antes do Carnaval ou tomar vinho na segunda. Trabalhar no Domingo não é mais pecado.
Sou liberado para ser bonzinho, adotar animais e gente, distribuir abraços e presentes só no fim de cada ano? Tem os aniversários também. O que me impede de fazer isso mais vezes? Ou não fazer nada para agradar ninguém.
Amanhã estou liberado para voltar a ser o velho egoísta de sempre e pensar que se a farinha é pouca, meu pirão primeiro?
Não sou convidado para eventos faz muito tempo e dia desses recusei um convite para conhecer novos amigos. Estou satisfeito com os que tenho. Nem consigo cuidar direito deles. Imagina se incluir as redes sociais, onde mais da metade das pessoas conectadas não me lembro quem são.
Aprender a dizer não me torna mais antipático, mas como dizia Niestzche:”É barato qualquer preço que se pague para tomar conta de si mesmo” ou algo assim. Há conflitos para se desvencilhar das amarras e condicionamentos. Há o inconsciente que nos manda ser aceitos, amados e não desprezados. Há a insegurança de se andar só ou silenciosamente ou com seus pares, porque o que se sente com a liberdade não precisa ser dita.
Para viajar prefiro as datas onde a maioria não viaja e para comemorar, pode ser qualquer dia, por isso posso ou não celebrar Natal e Ano Novo e Carnaval.
Ficar em casa quieto, lendo ou ouvindo música me dá prazer semelhante ou melhor que ir pra rua e andar em bandos onde cada um fica com cara que está pagando um compromisso obrigatório.
Já fiz muita festa e tinha a casa cheia a maior parte do ano. Era um carente, igual a essas pessoas que postam até o prato de sopa nas redes sociais e precisam tornar suas vidas públicas, porque não se toleram sós. São os vazios preenchidos pela divulgação do que as cerca. E que não fazem diferença nenhuma. A exemplo daqueles e daquelas que todo dia colocam uma ou várias fotos de si mesmas, como se temessem desaparecer e ninguém mais os encontrar, no buraco negro que fizeram das suas existências. Insatisfação plena.
Semana passada, hospedado na pousada de um amigo em Lençóis, na Chapada Diamantina, ele me contou que tem pessoas que não gostam daquele local, porque se sentem muito incomodadas com o silêncio e a expansão de verde e água em volta. Se conseguem passar uma noite, no dia seguinte pedem a conta e vão embora porque não suportam viver sem ruído externo, porque então tem que entrar em contato com seus ruídos internos. Tocam a buzina para abafar os gritos. Gritam para não ouvir o que o coração quer dizer.
2016 já começou e já avança no segundo mês, mas não muda nada, mesmo as convenções tendo fatiado o tempo como disse Drummond. As divisões de tempo, as estações, os ciclos são necessários, só não posso esperar bater o sino e os fogos pipocarem para me sentir feliz ou recomeçando.
Claro que espero alguns dias especiais, quando encontro os amigos para um futebol que já não tenho quadril para aguentar. A terapia do movimento, dos gritos, xingamentos, da democracia que torna todos iguais dentro de campo, das comemorações ou frustrações, do cansaço, que agora dura três dias, torna o vinho do churrasco mais leve depois de um banho frio. Felicidade é isso também.
Kronos ou Kairós. Mudamos biologicamente a cada dia. Os cabelos brancos e as rugas ou a cintura arredondada não espera fazer aniversário ou mudar a folhinha. Acontece todo dia. Então, todo dia é dia de começar de novo. Se entusiasmar com a vida. Iniciar novos projetos, terminar os velhos, reconhecer e encerrar os ciclos e reconstruir o que sou, na eterna espiral do tempo.
A cada amanhecer, abrir os olhos e reconhecer a vida como novidade, com outros olhos, porque ela e eu não somos os mesmos de ontem a noite e devo saber usar as novas chances que tenho de merecer essa passagem por aqui, seja qual for o motivo e a missão disso. Não lembro da passagem anterior e não tenho certeza se haverá a próxima, por isso o que me resta está aqui. E agora.
Feliz agora e que tenhamos novos amanhãs para recomeçar sempre, todo dia.
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