É importante, mesmo que já esteja implícito, que se diga: Os realizadores dos filmes não necessariamente leram o autor em questão, mas neles é possível perceber seus pensamentos.
Carl Gustav Jung é um dos mais célebres psicólogos da história. Não apenas por sua famosa rixa com Freud, mas também pela ampliação de conceitos oriundos da psicanálise e a iniciativa de uma nova psicologia, a analítica.
Em seu pensamento, Jung irá dialogar com muita frequência com a dialética. O psicólogo irá dizer que as pulsões humanas devem buscar uma síntese entre os opostos. Assim surge um conceito fundamental em seu pensamento, a sombra.
A metáfora de Jung parte da ideia de sua materialidade. A sombra é o oposto da luz e, traduzindo para como se manifesta na mente humana, a sombra é o oposto daquilo que aparece, daquilo que desejamos ser, que nos apresentamos. Para tal luz Jung da o nome de Persona, nome bastante conveniente.
Personas, no teatro grego, são as máscaras que cobrem o rosto dos atores e permite com que estes sejam o que desejam apresentar, escondendo o que está por trás, a sombra em Jung. A sombra, contudo, não é uma mentira (nem mesmo a máscara), manifesta a natureza humana presente, mas escondida pela máscara que a cobre. Assim, o processo de busca pelo que realmente somos vem do embate com nossa sombra, a busca pela natureza do ser. Para Jung, não nos resumimos ao que inconscientemente desejamos aparentar.
O processo, porém, é doloroso. O confronto com aquilo que há de mais profundo em nós é também o que nos angustia, aquilo que somos, mas não desejamos ser. Assim, nos vestimos de diversas máscaras sociais adequadas a cada situação, nos adequamos ao meio e à nós.
Em Persona (Ingmar Bergman), a personagem vivida por Liv Ullmann (Elizabeth Vogler) serve como máscara para a enfermeira Alma (Bibi Andersson). Elizabeth é uma atriz, a persona profissional, que parou de falar subitamente e, portanto, permitiu com que Alma falasse, libertando todas as suas angústias e medos, entrando em combate com suas sombras.
Em determinado momento Bergman nos proporciona um monólogo em que a personagem de Bibi Andersson revela suas sombras. O diretor repete a cena duas vezes, em uma a câmera está fixa em Bibi, em outra em Liv, calada. O curioso é como a técnica compõe a ideia das sombras e Persona de Jung. Uma vez apresentando uma de cada vez permite que cada Persona tenha sua ocasião. A fotografia, como pode ser vista na imagem, apresenta a luz e a sombra no rosto das personagens. Ao final, o embate com suas sombras faz com que elas tornem-se uma só. Suas personas se juntam, as sombras ganham luz.
Já em Um Corpo que Cai (Alfred Hitchcock), depois de um intenso relacionamento com John Scottie Ferguson (James Stewart), a personagem vivida por Kim Novak some. Seu retorno é marcado pelo desejo de se apresentar como algo que não é, uma nova máscara. Por outro lado, Ferguson deseja ver nesta a outra que antes desejara, que o fez enfrentar seus medos, suas sombras (o medo de altura) que gradualmente vai sumindo conforme o romance se intensifica.
Pensando nisso, Jung constata que a doença nasce do processo de reclusão da sombra, do impedimento que esta faça parte do consciente social. Portanto, a doença está intimamente ligada ao afastamento do que somos, de nossa natureza.
Impulsos sociais podem ser agentes de tal reclusão. Relegar à sombra pulsões naturais está associada a adoção de uma moral coletiva que impõe de maneira não-reflexiva normas de conduta. Assim, a religião, por exemplo, analisada dentro de seu contexto histórico-espacial, pode estar ligada a renúncia da natureza no processo de adoção de valores religiosos.
A partir dessa interação Jung irá, mais uma vez, ampliar a ideia psicanalítica. Em seu pensamento o psicologo propõe a existência de um inconsciente coletivo, complementando o inconsciente individualizado de Freud.
O inconsciente coletivo não deriva de experiências individuais, mas por imagens e símbolos presentes em todos os seres humanos, muitas vezes se manifestando nos sonhos. A impessoalidade de alguns sonhos assim é solucionada por Jung. Enquanto alguns são explicados pelas experiências individuais, outros apresentam símbolos que fazem parte de uma memória coletiva, derivada e constituidora de mitos. A essas imagens Jung da o nome de Arquétipos.
Os arquétipos estão profundamente fixados ao inconsciente coletivo, projetando em diversos momentos da vida como nos sonhos, narrativas e mitos, conduzindo modos de existência. No inconsciente coletivo surgem, portanto, imagens universais, arcaicas e primordiais.
Estas imagens primordiais surgem da repetição ao longo do tempo (através da narração dos mitos) de uma experiência. Assim, ao vermos as imagens supostamente aleatórias, mais uma vez, em Persona, logo associamos a crucificação ao pecado nas coisas que Alma escondia em sua sombra, por trás da máscara. A ideia da crucificação faz parte de uma imagem do inconsciente coletivo. O cinema está constantemente se utilizando dessas imagens, mais perceptíveis quando assistimos a um filme surrealista.
A repetição de narrativas e costumes passados, de tempos arcaicos, como ainda se reproduzem mesmo perante a ciência de sua presença nos dias de hoje, como sobrevive ao tempo?
Os arquétipos são imagens que, por serem anteriores a formação do Ego, apresentam e conduzem aspectos de indivíduos, tendendo a reproduzir de maneira inconsciente as mesmas experiências ao longo do tempo.
Enfim, vamos aos filmes? Às imagens do inconsciente no cinema!
Filmes Inspirados no Pensamento de Carl G. Jung
Um Corpo que Cai
Direção: Alfred Hitchcock
País: EUA
Ano: 1958
Nome original: Vertigo
Em São Francisco, um detetive aposentado (James Stewart) que sofre de um terrível medo de alturas é encarregado de vigiar uma mulher (Kim Novak) com possíveis tendências suicidas, até que algo estranho acontece nesta missão.
A Face do Outro
Direção: Hiroshi Teshigahara
País: Japão
Ano: 1966
Nome Original: Tanin no Kao
Homem perde o rosto em um acidente e temendo o fim de seu casamento decide procurar um ousado cirurgião que acaba de inventar um método de transplante de rosto. O problema é encontrar alguém que doará sua face.
Persona
Direção: Ingmar Bergman
País: Suécia
Ano: 1966
Nome original: Persona
Alma, uma enfermeira, deve cuidar de Elisabeth Vogler, uma atriz que está com a saúde muito boa mas se recusa a falar de qualquer jeito. Com a convivência, Alma fala a Elisabeth o tempo todo, inclusive sobre alguns de seus segredos, nunca recebendo resposta. Logo, Alma percebe que sua personalidade está sendo submergida na pessoa de Elisabeth.
Time
Direção: Kim Ki Duk
País: Coreia do Sul
Ano: 2006
Nome original: Shi gan
Seh-Hee (Park Ji-Yeon) e Ji-Woo (Ha Jung-Woo) são namorados de longa data. Eles estão apaixonados, mas Seh-Hee tem uma crise de ciúmes quando seu namorado se sente atraído por outra mulher. Ela está convencida de que Ji-Woo perderá o interesse no relacionamento à medida que o tempo for passando. Para prevenir o rompimento, Seh-Hee decide passar secretamente por uma cirurgia plástica, de modo que ela se torne uma ?nova mulher? para o namorado. Certo dia ela desaparece do mapa, deixando Ji-Woo magoado. Com o tempo, porém, ele vai se esquecendo de Seh-Hee e termina por se apaixonar por uma mulher misteriosa, que guarda um segredo que mudará suas vidas.
Stalker
Direção: Andrei Tarkovski
País: Rússia
Ano 1979
Nome Original: Сталкер
Após a suposta queda de meteoritos numa região do planeta, essa região adquire propriedades estranhas e é chamada de Zona. Dentro da Zona, diz a lenda ter o Quarto, que seria um lugar onde todos os seus desejos são realizados. Temendo que a população invada a Zona à procura do Quarto, o exército a isola, mas eles próprios não têm coragem de entrar nela. Apenas alguns poucos, chamados Stalkers, têm habilidade suficiente para entrar e sobreviver lá dentro. Um dia, um escritor famoso e um físico contratam um Stalker para os guiarem ao Quarto, sem exatamente saber o que procuram.
O Anjo Exterminador
Direção: Luis Buñuel
País: México
Ano: 1962
Nome original: El Ángel Exterminador
Após uma extravagante e farta refeição, os convidados se sentem estranhamente incapazes de deixar a sala de jantar e, nos dias que se seguem, pouco a pouco, caem as máscaras de civilização e virtude e o grupo passa a viver como animais.
Relatos Selvagens
Direção: Damián Szifron
País: Argentina
Ano: 2014
Nome original: Relatos Salvagens
Diante de uma realidade crua e imprevisível, os personagens deste filme caminham sobre a linha tênue que separa a civilização da barbárie. São seis episódios com pessoas vivendo situações-limite e respondendo violenta e inesperadamente a elas: uma traição amorosa, o retorno do passado, uma tragédia ou mesmo a violência de um pequeno detalhe cotidiano são capazes de empurrar estes personagens para um lugar fora de controle.
Direção: Billy Wilder
País: EUA
Ano: 1950
Nome original: Sunset Blvd
No início um crime é cometido e uma voz em off começa a narrar que tudo começou quando Joe Gillis (William Holden), um roteirista fugindo de representantes de uma financeira que tentava recuperar o carro por falta de pagamento e se refugia em uma decadente mansão, cuja proprietária, Norma Desmond (Gloria Swanson), era uma estrela do cinema mudo. Quando Norma tem conhecimento que Joe é roteirista, contrata-o para revisar o roteiro de Salomé, que marcaria o seu retorno às telas. O roteiro era insuportável, mas o pagamento era bom e ele não tinha o que fazer. No entanto, o que o destino lhe reservava não seria nada agradável.
O Funeral das Rosas
Direção: Toshio Matsumoto
País: Japão
Ano: 1969
Nome Original: Bara no sôretsu
No primeiro filme de Toshio Matsumoto aparentemente nada é tabu: nem a inclusão de ornamentos visuais vindos diretamente do mundo do design gráfico, da pintura, quadrinhos e da animação contemporânea, nem a mostra convicta de nudez, de sexo, de consumo de drogas e de casas de banho públicas. Mas entre todas as “transgressões” que aqui figuram, há talvez uma que sobressai mais: o retrato inovador e sem concessões que o filme apresenta da subcultura gay japonesa.
Você e os Seus
Direção: Hong Sang-soo
País: Coreia do Sul
Ano: 2016
Nome original: Yourself and yours
O cineasta coreano Hong Sang-soo (Certo Agora, Errado Antes) embarca numa intrigante excursão na misteriosa obra-prima de Luis Buñuel, “Esse Obscuro Objeto do Desejo”.
A Bela da Tarde
Direção: Luis Buñuel
País: França
Ano: 1967
Nome Original: Belle de Jour
A história de Séverine (Catherine Deneuve), jovem rica e infeliz que procura um discreto bordel para realizar suas fantasias sexuais e conseguir o prazer que seu marido não consegue lhe dar.
Mephisto
Direção: István Szabó
País: Alemanha; Hungria; Áustria
Ano: 1981
Nome original: Mephisto
Hendrik Höfgen é um ambicioso ator que não se interessa por política. Quando os nazistas começam a tomar o poder, ele aproveita para interpretar peças de propaganda nazista e acaba fazendo sucesso.
(Autor: Philippe Leão)
(Fonte: cineplot)
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