“Os sentidos, do mesmo modo como são únicos, são também mutáveis. Mas não faltam nunca. A vida não deixa jamais de ter sentido” (Frankl, 1989)

Faz um ano que nossa querida Adriana Thomaz foi morar em outra dimensão e, para homenageá-la, vou publicar com a devida autorização de sua filha Bruna Thomaz, este texto escrito por Adriana em 01.06.2012 em seu blog *.

“O Luto de um amor perdido”
Texto escrito por: Dra. Adriana Thomaz

Toda perda pressupõe um luto e aqui não seria diferente.

Por separação, nem sempre um luto reconhecido, ou por morte, chamada viuvez cujo o luto é validado, reconhecido, as duas podem doer por muito tempo. A diferença do processo não é óbvia, contanto, uma vez que o luto depende do vínculo estabelecido e não é porque foi por morte que tal vínculo foi maior.

O que quero dizer nesta consideração inicial é que o luto pela morte não é sempre maior ou mais difícil que o luto pela separação de um amor.

Aqui, na separação, a perda é carregada de sentimento de frustração de um projeto, a perda de um sonho, a perda do papel realizado anteriormente, do status quo, para não dizer da família, da convivência com os filhos, dos amigos, do padrão de vida.

Leia mais: Emoção, Sentimento: Luto X Saudade

E dá saudade. Saudade de muitas coisas, até da aliança, muitas vezes objeto permanente nos dedos daquele que perdeu seu amor, vivo ou morto, como vi explícito no cantor Seal, em entrevista a um talk show americano no início deste ano. Ele gagueja, se emociona, faz pausas e finalmente responde à pergunta que não queria calar a boca da entrevistadora: E esta aliança no seu dedo, o que significa? Com muita clareza e não menos emoção, Seal diz que significa o que ele sente… o processo do luto é lento e precisa ser respeitado. “Eu me sinto bem assim. Não sei por quanto tempo vou usá-la, mas ainda me sinto bem com essa aliança no meu dedo”.

É preciso respeitar o processo do luto, fechar para balanço.

David Sbarra, pesquisador da Universidade do Arizona, realizou um estudo com 105 pessoas separadas em torno de 40 anos, todas casadas por 13 anos que após três meses do divórcio foram convidadas a pensar no ex-cônjuge por 30 segundos e depois falar dos seus sentimentos em relação a separação, o que se repetiu depois de 6 ou 9 meses.

Leia mais: Luto: quando buscar apoio psicológico?

Os resultados mostraram que as pessoas que apresentavam níveis mais satisfatórios em termos de “superação”, eram aquelas que tinham mais “autocompaixão” traduzida por ele como a combinação de bondade amorosa para consigo, compreensão de que a perda faz parte da vida de todas as pessoas e a habilidade em lidar com as emoções dolorosas (ao que eu chamo resiliência). Desta forma, conclui o autor, o que faz a diferença é a “postura” diante da experiência da perda.

Ainda refletindo sobre pesquisas no tema do luto pós separação ou divórcio, trago o estudo tornado livro, iniciado em 1971 e publicado em 1988 intitulado “Segundas Chances”, das britânicas Judith Wallerstein e Sandra Blakeslee, que descreve o impacto da ruptura dos casamentos no indivíduo e na estrutura social e que foi realizado com 60 casais e seus filhos após uma década da separação.

As duas principais conclusões são: a primeira, que embora seja uma crise nas vidas pessoais dos envolvidos, com ameaça a sensação de bem-estar (características do luto propriamente dito, eu diria), ainda assim o divórcio pode abrir possibilidades para o desenvolvimento pessoal e trazer perspectivas futuras de felicidade e, a segunda, que o luto é estabelecido mesmo diante de uma separação por um casamento infeliz.

Leia mais: Atitudes essenciais para superar o luto amoroso

E quando digo e repito, muitas vezes até insistentemente, que o luto tem um enorme potencial transformador de vidas, e que durante o seu processo, o enlutado é quem torneia e é torneado, é que foco nessa possibilidade de desenvolvimento pessoal de que falam Judith e Sandra.

Autoestima, autoconfiança, autocompaixão, uma a uma, ou as três juntas, de preferência, são a chave para o restabelecimento de uma vida, para o reinvestimento do afeto, para o “seguir em frente” e o “conferir sentido a perda”, como diz John Bowlby, psiquiatra e psicanalista inglês que considera como tarefas do luto “reconhecer e aceitar a realidade” e “lidar com os problemas que advêm da experiência da perda, permitindo que a pessoa se reorganize sem a presença do objeto perdido”.

Cabe aqui, pelo tardar da hora, apenas uma consideração a ser desenvolvida em textos próximos, que é a grande armadilha “morre vira santo”, que tanto dificulta o desenvolvimento de uma nova relação com a pessoa perdida, que deve ser baseada em memórias e em experiências vividas da forma mais realística e coerente para que se torne possível e reconfortante, o que chamo de manutenção do vínculo ou vínculo continuo.

Leia mais: O Processo de Luto Complicado

Ainda para próximas elucubrações, como carinhosamente dizia meu pai, o velho, João Pupo, sobre o luto do casamento desfeito, deixo o antigo o ditado polonês, ressuscitado no novo livro da autora de Comer, Rezar e Amar, Liz Gilbert:

“Antes de ir para a guerra, reze uma oração, antes de ir para o mar, duas e antes de se casar, reze três orações”. E finalizo com a frase de Colin Parkes, médico e estudioso do Luto, “o luto pela perda é o preço que se paga por amar”. E eu afirmo com base na minha experiência pessoal, querido leitor: vale a pena.

(Publicado em: Blog de Adriana Thomaz)

Ao lermos este texto escrito pela Dra. Adriana Thomaz, pudemos compreender que, o quão importante é estudarmos o processo de luto em todas as suas dimensões para que possamos oferecer um melhor cuidado aos nossos pacientes.

Obrigada Adriana! Saudades…

(Adriana Thomaz era médica e trabalhava com saúde mental para Perdas, Morte e Luto. Também trabalhava na área de Psico-Oncologia (Tratamento e Acompanhamento Psicoterapêutico do paciente com Câncer e sua família) e Cuidados Paliativos, além de Clínica de Dor. Ela trabalhava tanto com pacientes em processo final de vida e suas famílias, quanto com os sintomas angustiantes que acompanham as questões relacionadas ao fim da vida. Ela possuía um sorriso único e iluminado. Em setembro de 2015, aos 44 anos, Adriana foi morar em outra dimensão.)

Referência:
https://adrianathomaz.wordpress.com/2012/06/01/o-luto-de-um-amor-perdido/#more-466

RECOMENDAMOS




Psicóloga Especialista em Psicologia Hospitalar e Luto, Member of British Psychological Society. É colunista do site Fãs da Psicanálise.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui