Foi depois do enorme e inesperado sucesso de seu livro Comer, Rezar e Amar e de ser interpretada por Julia Roberts no cinema que Elizabeth Gilbert caiu em conflito: será que conseguiria, de novo, escrever algo que agradasse tanto ao público? Essa questão levou a autora a fazer dois TedXTalks, dar diversas conferências e, agora, lançar Grande Magia. No Brasil sai pela Editora Objetiva.

A publicação trata exatamente dos pontos nevrálgicos de seu processo criativo e explica como aguçar a criatividade, sem se deixar abater por frustrações nem pelos “nãos” que artistas recebem ao longo da vida.

A escritora americana conversou com a repórter Marilia Neustein, por telefone, de sua casa em New Jersey. Entre piadas e autoironia, revelou como passou de garçonete a uma das pessoas mais influentes do mundo, segundo a revista Time, sempre reforçando a ideia de que a paixão pela escrita tem de ser maior do que o desejo pelo sucesso.

“É muito perigoso depositar toda sua felicidade em algo sobre o qual você não tem controle. Se você acopla a sua felicidade a essa ideia de ‘só serei feliz se fizer sucesso com minha arte’, está criando uma prescrição para uma vida bem infeliz”, afirma.

Para a autora, fracassos na carreira são inevitáveis e positivos se forem compartilhados da forma correta. “Ninguém passa por essa vida sem conflito, sem dor, sem sofrimento”. Indagada sobre o Brasil, disse conhecê-lo apenas por histórias que lhe conta o marido brasileiro, José – e que um dia, talvez, a agenda, hoje tão cheia, lhe permita visitá-lo. Abaixo, os principais trechos da entrevista

Você dividiu o livro em seis partes para falar da criatividade: coragem, encantamento, permissão, persistência, confiança e divindade. Como chegou a essas características?
Comecei a escrever esse livro fingindo que estava falando com um jovem e ele me dizia que gostaria de ter uma vida criativa. Então pensei nos conselhos que eu poderia dar e escrevi muito naturalmente. Mas, durante o processo do livro, comecei a perceber que existiam certas ideias que voltavam o tempo todo, e então percebi que quase tudo poderia ser divididos nessa categorias (risos)!

Pode detalhar um pouco mais o que conta, no livro, sobre a diferença entre autenticidade e originalidade?
Sim. Uma das coisas que impedem as pessoas de viver vidas criativas é que elas têm medo de não terem ideias originais. E eu, pessoalmente, não me interesso apenas por coisas que são novas. Às vezes até soa um pouco pesado quando você percebe que um trabalho força originalidade. Dá até pra sentir a ansiedade do artista. Intelectualmente falando, eu respeito aquela pessoa por tentar fazer algo original, mas isso não muda o meu coração. E prefiro ler algo que foi feito com o coração a ler o que se produziu com muita cabeça/mente. Então, sempre digo para as pessoas que acham que suas ideias já foram executadas antes: “Sim, mas não foi feito por você.” Me falaram assim sobre esse livro: “Nossa, o mundo precisa de outro guia de criatividade?” E eu disse: “Não sei, vamos ver…” O mundo pode dizer não, mas eu fiz, de qualquer maneira, porque era interessante para mim.

Você fala muito, no livro, sobre coragem. Por que, e de que modo se debruçou sobre o tema?
Minha mãe teve um trabalhão de transformar um criança amedrontada, eu, em uma mulher valente e autoconfiante. Isso não foi fácil. Sempre agradeço por ela não ter desistido desse projeto (risos). A verdade é que nunca tive problemas para ser uma pessoa criativa. Sempre fui sensível, artística – do meu jeito –, interessada e curiosa do mundo. O problema era a coragem! Por isso acho que consigo escrever sobre coragem de uma maneira tão íntima. Porque eu entendo muito o que é essa dificuldade. Me interesso muito pela maneira com que as pessoas lidam com o medo.

O que foi que você concluiu, a respeito dessa maneira?
Que muitas vezes, quando as pessoas lutam contra o medo – de forma muito agressiva dizendo “vou matar o medo”, “vou mostrar para meu medo quem é que manda”… – ele fica maior. Eu não quero brigar com meu medo, quero ficar amiga dele (risos). Então, é claro que eu tenho medo, mas hoje converso com ele como se ele fosse um dos meus mais antigos amigos criativos e sinto que quanto mais eu falo com ele, mais quieto ele fica.

Um dos medos que você aponta é o do fracasso. Acha que as falhas são um passo importante durante o processo criativo?
Não sei se é importante, mas é inevitável (risos). É claro que é pedir muito que a gente goste de fracassar. Sejamos honestos: é horrível, dolorido. Mas é loucura criarmos uma vida na qual só existe sucesso, felicidade e prazer. Tentamos a todo custo evitar o fracasso, a infelicidade e a dor e isso é humano. Entretanto, se eu perguntar quais foram as três coisas mais transformadoras da sua vida, é possível que você me diga sobre dor, fracasso, perda. Veja, não estou falando que você tem que sair por aí procurando por dor e fracasso, mas podemos lembrar que essas instâncias serão as que terão maior impacto na sua natureza como ser humano.

As pessoas poderem compartilhar seus fracassos, como você fez e contou no livro, pode ser uma experiência reconfortante?
Sim. Por duas razões: uma parte malvada de nós se sente bem com o fracasso alheio (risos). Tirando isso, que também é muito humano, apesar de pouco produtivo, acho bom acabar com a mitologia de que existem pessoas que têm uma vida fácil. Claro que alguns vivem em circunstâncias afortunadas. A loteria do acaso faz parecer que algumas pessoas têm vidas abençoadas, mas elas sofrem também. Ninguém passa por essa vida sem conflito, dor ou sofrimento. Então, mostrar seu ponto vulnerável é um serviço público.

Nesse contexto, a internet ajuda ou atrapalha? Todo mundo postar apenas os momentos felizes nas redes sociais pode gerar mais ansiedade?
É verdade, isso existe. Mas as pessoas que sigo não fazem isso. Falam da vida real, de situações de fragilidade. A internet não é boa ou ruim, é apenas um lugar extremamente poderoso. Você pode usar da maneira que achar melhor. Para compartilhar pornografia e crueldade ou esperança e amor. É a mais nova das ferramentas com que os humanos têm de lidar. Minha escolha com a internet é tentar usá-la como uma ferramenta para o amor. E para compras também… (risos).

No livro você incentiva as pessoas a praticar a criatividade, a ter ideias. Acha que hoje existe uma idealização do trabalho? Que muitos sonham em ter uma ideia genial, como um aplicativo, e não precisar mais trabalhar?
Sim, mas acho que essas pessoas com ideias geniais são muito raras e que provavelmente trabalham muito. Mas não podemos deixar de lado o fator sorte. A segunda coisa é: será que o resto da vida deles é realmente “o céu”? Um dos maiores erros que cometemos é essa definição de que o céu é um lugar em que nunca teremos que trabalhar. A grande questão não deveria ser “o que eu devo fazer para não ter que trabalhar mais?”. E sim “no que eu quero trabalhar pelo resto da minha vida?”

Uma ideia na qual você insiste é a de que é necessário ter mais paixão pelo processo criativo do que pelo resultado.   Sim, tem que ser! Recentemente conversei, pelo Facebook, com uma jovem atriz que me disse “Ok, paixão no processo, mas quero fazer sucesso de verdade. Não quero estudar 4 anos para nada”. Não posso criticá-la por querer a mesma coisa que eu. Quando eu trabalhava como garçonete, queria ser uma escritora de sucesso. Queria publicar, ganhar dinheiro… Mas isso não pode ser o único motor. Porque é muito perigoso depositar toda sua felicidade em algo sobre o qual controle. Então, se você pega sua felicidade e acopla a essa ideia – “só serei feliz se fizer sucesso com minha arte…” – está criando uma prescrição para uma vida bem infeliz. Porque você pode ou não conseguir isso.

Na sua opinião, qual é então o melhor caminho?
Continuar trabalhando, criando, descobrindo novas facetas em si mesma. Assim você tem uma razão adicional. Eu queria fazer sucesso, mas também queria ser uma boa escritora. Então todas as vezes em que eu recebia um não – acontecia o tempo todo – me perguntava: “Você ainda quer fazer isso?” E a resposta sempre foi “sim”. E é algo que me pergunto até hoje, depois de ficar quatro anos escrevendo um livro que ganha uma crítica péssima no NY Times.

Outro tema que você aborda é o perfeccionismo como uma barreira para a criatividade. Pode explicar melhor?
Acho que é impossível ser perfeito. E tento não estabelecer metas impossíveis para mim. Não estou interessada em perfeccionismo porque não acredito nele. No lugar de tentar criar algo perfeito, temos que concordar sobre o que é perfeito. E não existe consenso sobre isso. É uma ideia completamente subjetiva. Além disso, a perfeição leva o prazer para longe e nos deixa ansiosos. Eu sempre digo que tem quem queira que o trabalho fique perfeito. Mas eu quero mesmo é terminar o meu trabalho (risos)! Uma das coisas que me dão mais prazer é finalizar as coisas. Porque estamos sempre cheios de ideias, com projetos começados – e muitos ficam inacabados. Então, se você conseguir terminar um livro, parabéns, você já é um sucesso.

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