Os jovens buscam cada vez mais no suicídio uma fuga para seus sofrimentos. Maior acesso a drogas, isolamento e perfeccionismo são algumas das explicações para o crescimento do problema.
Por aqui, o suicídio está atrás de homicídios e acidentes de carro, com taxas 4 e 6 vezes maiores de mortes. O problema é que o assunto ainda é um tabu — e características da adolescência, como isolamento e alterações de humor, fazem com que o comportamento suicida muitas vezes passe batido para a família.“O adolescente não tem uma visão crítica em relação ao prejuízo. Prepotência, despreocupação com o futuro e achar que aquilo não vai dar em nada os deixam vulneráveis”, diz Jair Segal, psiquiatra especialista em comportamento suicida. “Boa parte desses jovens é exposta mais precocemente a substâncias psicoativas, especialmente o álcool, usado para minimizar o sofrimento. E a sociedade está cada vez mais tolerante ao uso de álcool em todas as faixas etárias.”
O último Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), de 2013, aponta que 36% dos jovens consomem álcool de forma nociva — quatro doses ou mais em até duas horas. É um aumento de três pontos percentuais em relação há três anos, segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, da Universidade Federal de São Paulo. Quando a bebida é aliada à depressão, doença que afeta quase um terço dos adolescentes, tem-se uma combinação perigosa. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão é a principal causa de doença e inaptidão de adolescentes no mundo.
Outro fator apontado como uma das causas do aumento nos suicídios é o excesso de aulas, cursos e esportes a que os jovens são submetidos. Trata-se de um estilo de vida que está sendo investigado por psicólogos que relacionam a epidemia ao perfeccionismo. Estudo divulgado no ano passado nos EUA apontou que 70% dos 33 meninos que tiraram a própria vida tinham exigências altas demais. “O adolescente muitas vezes sofre com uma imagem fantasiada dos pais e não tem espaço para ser quem ele é, além de não tolerar a frustração”, diz Karen Scavacini, psicóloga e fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio.
A internet tem um papel ambivalente quando o assunto é suicídio. Por um lado, ela pode ser a origem dos problemas dos jovens que tiram a própria vida. Um caso bastante comentado no Brasil foi o de Júlia Rebeca, que em 2013 anunciou sua própria morte pelo Twitter depois que um vídeo íntimo seu com outra jovem e um homem foi divulgado no WhatsApp. Rebeca, que morava em Parnaíba, no Piauí, foi encontrada morta enrolada no fio do aparelho de fazer chapinha. Na mesma semana, uma adolescente de 16 anos se suicidou em Veranópolis, no Rio Grande do Sul, depois que um ex-namorado vazou suas fotos íntimas na internet. “Essa exposição provoca uma dor muito grande e, se os jovens não conseguem falar sobre isso com a família ou amigos porque vão sofrer rejeição, eles correm maior risco de entrar em depressão e cometer suicídio”, diz o psiquiatra Humberto Correa.
O bullying on-line já levou dezenas de jovens ao suicídio e fóruns virtuais oferecem até passo a passo para se matar. Um dos primeiros casos brasileiros de suicídio assistido foi do gaúcho Vinícius Gageiro Marques, que se matou em 2006. Marques foi orientado a usar o método barbecue, ou suicídio por inalação de monóxido de carbono. Ele consiste em manter duas grelhas queimando num local fechado e pequeno, como um banheiro. Marques pediu ajuda num grupo de discussão em inglês para saber como suportar o calor até desmaiar, e um bombeiro aposentado de Chicago lhe deu instruções. Foi uma amiga virtual do Canadá que percebeu o que estava acontecendo, ligou à polícia local e pediu que avisassem as autoridades gaúchas. Era tarde demais.
Por outro lado, nem tudo é tragédia na relação entre web e jovens suicidas. A americana Trisha Prabhu, de 13 anos, criou um projeto para combater o cyberbullying, que a levou a ser finalista na Feira de Ciências do Google realizada neste ano. Trisha criou o “Rethink” (repense, em inglês), um sistema de alerta que exige que as pessoas pensem duas vezes antes de postar algo prejudicial em redes sociais. A ideia surgiu depois que ela resolveu estudar o cérebro dos adolescentes e descobriu que ele não está completamente desenvolvido, o que faz com que os jovens sejam mais impulsivos. Trisha testou o alerta com voluntários e, segundo ela, 93% desistiram de divulgar imagens depois do alerta.
A internet também pode ser um lugar onde se encontra ajuda. “As pessoas sentem que não recebem atenção ou são julgadas. Aí falam conosco e se sentem aliviadas”, disse à GALILEU Adriana Rizzo, voluntária do Centro de Valorização da Vida (CVV), ONG de combate ao suicídio que recebe um milhão de ligações por ano no Brasil. A ONG também atende por e-mail, chat e Skype. Hoje, a internet corresponde a 20% das assistências, a maioria voltada a jovens.
Um rapaz da aristocracia alemã se apaixona por uma bela jovem casada, não é correspondido e acaba se matando com um tiro na cabeça. Esse é o resumo do romance Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Johann Wolfgang Goethe, proibido em vários países no século 18 por causa de uma onda de suicídios entre jovens que usaram o mesmo método do protagonista.
Por causa disso, a psicanálise criou o termo “efeito Werther”, ou seja, o suicídio “por contágio” ou “copycat”, quando celebridades ou figuras públicas se suicidam e influenciam multidões. Segundo pesquisas, ao menos 5% dos jovens tiram a própria vida por contágio. A atriz Marilyn Monroe, por exemplo, causou um aumento de 12% nos suicídios nos Estados Unidos após sua morte por overdose de barbitúricos em 1962.
“A forma como um suicídio é tratado na escola ou na mídia pode influenciar outros jovens, principalmente se há uma identificação muito forte com essa pessoa”, diz Karen Scavacini. O comportamento em vida de artistas também pode ser uma influência ruim. Quer dois exemplos? No clipe Everytime, a cantora Britney Spears se suicida numa banheira e renasce. Outra cantora, Demi Lovato, já declarou que se cortava para aliviar a dor.
Suicídio já foi um tabu maior no passado, quando os jornais sequer falavam no tema por medo do efeito contágio. Anos de debates depois, ficou claro que, na verdade, a melhor forma de combatê-lo é exatamente falando sobre o assunto. “Há 20 anos, ninguém falava em câncer, Aids”, diz Karen. “Hoje, por que as pessoas fazem exames preventivos do câncer? Porque essas doenças foram debatidas, houve mobilização e campanhas.”
O problema do tabu é que as pessoas que tentam o suicídio são vistas como loucos, não como pessoas doentes que precisam desesperadamente de ajuda — e isso só serve para isolá-las ainda mais. Mônica Kother Macedo, psicanalista especializada em suicídio e professora da PUCRS, trabalhou diretamente com pessoas que tentaram se matar e uma das frases mais ouvidas foi “se eu dissesse o que passava na minha cabeça iam dizer que estava louco”. “Às vezes nem a pessoa leva seu sofrimento a sério”, diz Mônica.
Em mais de 90% dos casos de suicídio havia uma doença mental envolvida, sendo a depressão a mais comum. “As pessoas são capazes de ir ao médico por causa de rinite alérgica, mas não procuram ajuda para curar uma depressão. Elas veem isso como uma falência pessoal ou familiar, e não como uma doença, que tem cura, ao contrário da falência pessoal”, diz o psiquiatra Segal.
Outro obstáculo que isola ainda mais a pessoa com comportamento suicida são os mitos, como o de que quem fala em se matar não vai fazê-lo. “Pode ser que a pessoa esteja falando para chamar atenção, mas isso não é necessariamente negativo, ela está pedindo ajuda”, diz Carlos Felipe Almeida D’Oliveira, que foi coordenador da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio.
O Rio Grande do Sul é o estado com a maior taxa de suicídio do Brasil, quase o dobro da média nacional. Mas a cidade que ocupa a primeira posição do ranking de suicídios, com taxa dez vezes acima da média nacional, está no outro extremo do país: é São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. O motivo? Os índios entraram numa espécie de processo de extinção voluntária. É como se a ameaça de morte coletiva de 2012 da tribo Guarani Caiová estivesse se concretizando pouco a pouco em vários lugares do Brasil.
Nos últimos 10 anos, o suicídio entre jovens no Amazonas cresceu 134%, e a situação é parecida em outros estados do Norte, como Acre e Rondônia, que viram dobrar suas taxas de suicídios. E essa tendência não é registrada apenas no Brasil. Nos Estados Unidos, os jovens nativos com idade entre 15 e 24 anos se suicidam 3,3 vezes mais do que o restante dos norte-americanos. Já entre os indígenas Inuit do Canadá o índíce de suicídio é 11 vezes maior do que a média nacional. “Conflitos de terra, questões culturais, abuso de álcool. Precisamos de uma decisão política para considerar que é um problema de saúde pública”, diz o médico Carlos Felipe Almeida D’Oliveira.
No dia 13 de março de 2014, dia do Arcano da morte segundo a minha religião, minha filha mais velha, de 18 anos, nos deixou. Naquela quinta-feira, ela almoçou comigo, pediu um suco de manga e conversou normalmente. Deixei-a na casa da mãe com o combinado de nos encontrarmos no final da tarde, perto das 19 horas, que é a hora em que meus outros dois filhos chegam da escola. Minha filha de 16 anos chegou 10 minutos mais cedo e viu a cena. No início ela achou que não era verdade, já que o corpo estava semiapoiado na escada. Eu cheguei na sequência, ela já gritando, meu filho também, chegando da perua.
Eu a peguei, a outra filha cortou a corda, o pequeno tirou os óculos, e tentei reanimá-la. Ela se matou falando no WhatsApp, sem explicação. Ela calculou tudo: foi no dia em que sabia que eu estaria lá porque é o dia da semana que eu sempre passo na casa deles. Ela já tinha feito vestibular para Direito e concurso de técnico judiciário, estava só esperando as respostas. Ela deixou um bilhete, que diz basicamente que ninguém tem culpa, que ela não aguentava mais. Terminou com uma frase destacada: “gente morta não decepciona ninguém”.
No bloco de notas que encontramos havia o desenho de um laço e, como ela já foi escoteira, fez dois laços de tal forma que demorei a soltar do pescoço. O livro de escoteiro estava fora do lugar, e depois descobrimos que havia um bonequinho enforcado no quarto dela. Sinais que só fiquei sabendo depois. Ela não sofria de depressão, ainda não conseguimos entender por que ela resolveu fazer isso.
Eu era o pai herói, fiz o parto dela, fui a primeira e última pessoa que ela viu na vida. A primeira palavra que ela falou foi “papai”. Era meu orgulho. Às vezes ainda ouço a sua voz. O luto de uma morte natural ou acidental uma hora acaba e vira uma saudade. O luto do suicídio não acaba nunca. Foi o que ouvi em depoimentos no grupo de enlutados por suicídio que frequento. É infinitamente pior saber que ela foi porque quis nos deixar. Por mais que queiramos racionalizar, fica a sensação de que não estávamos à altura para satisfazê-la.
Já pensou se um simples exame de sangue detectasse tendências suicidas? Desde 1920, a neurociência e a psiquiatria se debruçam sobre os fatores genéticos do tema, e os resultados recentes são interessantes. Existe um denominador comum entre pessoas que tentaram se matar ou pensaram no assunto: uma mutação no SKA2, gene que desempenha um papel importante na forma como lidamos com o estresse. Estudo publicado no Jornal Americano de Psiquiatria mostra que os níveis de SKA2 estavam reduzidos nos genomas de pessoas que cometeram suicídio. O gene, responsável por orientar os receptores de hormônios do estresse nos núcleos das células, inibe pensamentos negativos e controla a impulsividade. Outro risco genético de suicídio está relacionado ao transporte do hormônio da felicidade. Estudos publicados nos últimos 10 anos relacionam depressão e tentativas de suicídio a alterações no transportador da serotonina, o gene 5-HTTLPR. O psiquiatra Jair Segal fez sua tese de doutorado com base nessa hipótese e diz que familiares de pessoas que se mataram têm um alto risco de tentar o suicídio, assim como gêmeos idênticos, com uma possibilidade de 15% no caso de um ter se suicidado. No entanto, essa relação é apenas um fator de vulnerabilidade. “Não existe determinismo genético, só sabemos que isso está ligado ao suicídio quando há algum transtorno mental”, explica.
RANKING > Epidemia silenciosa
O suicídio está na 16ª posição no ranking da Organização Mundial de Saúde de doenças que mais matam no mundo. Embora não tire tantas vidas quanto a isquemia (que ocupa o primeiro lugar na lista), ele mata mais do que muitas patologias e que guerras. Acompanhe
HISTÓRICO > Uma longa história
A forma de encarar o suicídio mudou nos últimos 2,5 mil anos. Em Roma, quem queria se matar tinha de pedir autorização ao Senado, enquanto no Japão era um ritual de honra. Descubra o que mudou
510 a.C. – Lucrécia, de origem nobre, foi estuprada pelo filho do tirano etrusco Tarquínio, o soberbo. Antes de cravar uma adaga no peito, pediu vingança e provocou uma revolta popular
399 a.C. – Condenado à morte pelo povo de Atenas, Sócrates escolheu se suicidar com uma taça de cicuta a renunciar às suas ideias
30 a.C. – Cleópatra, última rainha do Egito, morreu após tomar um coquetel de drogas aos 39 anos de idade. O mesmo destino teve seu amante, o líder romano Marco Antônio
452 – O Cristianismo considerou o suicídio um “trabalho do demônio” no Concílio de Arles, uma espécie de julgamento da Igreja Católica
Século 12 – Surge no Japão o haraquiri, o ritual de estripação de samurais para demonstrar pureza de caráter. Os pilotos suicidas da Segunda Guerra Mundial seguiram a mesma lógica de manter a honra
Século 17 – Começa o processo de “secularização do suicídio”. A discussão sobre insanidade englobou o suicídio, que começou a ser visto a partir de uma perspectiva mental
Século 19 – O sociólogo Émile Durkheim interpreta o suicídio por meio de fatores sociais, como a incapacidade de integração à sociedade, no livro O Suicídio, um Estudo Sociológico
Século 20 – Em 1918, o papa Bento XV reconhece o suicídio como insanidade. Paralelamente, o ato deixa de ser crime em vários países e é estudado pela psicologia
ALERTA > Se você tem pensamentos suicidas ou está deprimido, entre em contato com um voluntário do CVV pelo telefone 141 ou através do site www.cvv.org.br
(Autor: Gabriela Loureiro)
(Fonte: http://revistagalileu.globo.com)
Até chorei com a frase da menina” Mortos não decepcionam ninguém”. Essa é a sensação que eu tenho. Eu não quero apelar pra antidepressivos, mas ás vezes é muito difícil lidar com as frustrações.
Não veja como um apelo aos remédios, mas sim como uma ajuda a você.. O remédio vai te ajudar 30% do caminho, os outro 70% são você. Por experiência própria, o que me ajudou foi conseguir pensar tranquilamente (remédio) e a terapia, que me direcionou um caminho. É um “trabalho” pro resto da vida, há quatro anos faço tratamento, e posso falar que os dias bons superam em muito os dias ruins!
Vá atrás de um médico psiquiatra e um psicólogo!! Melhor coisa!
Apele para atividades físicas, eu também nunca quis tomar remédios, o psiquiatra me receitou e disse que eu estava com depressão, porém não aceitei, depois de alguns exames descobri o hipotireodismo, esse sim era a causa da s minhas angústias, hoje controlo o hipotireodismo e faço atividades físicas, fiz terapia também e eu não acredita, mais a mudança vem e vale muito a pena.